segunda-feira, 14 de junho de 2010

Copa do Mundo agrava desigualdade na África do Sul


Com uma população de quase 50 milhões, a África do Sul é considerado o país capitalista mais desenvolvido da continente africano e dono de imensas riquezas como as maiores reservas de ouro, platina, diamante e cromo do mundo. No entanto, metade dos habitantes vivem abaixo da linha de pobreza e o desemprego atinge 40% da População Economicamente Ativa (PEA). O país ainda lidera o ranking mundial de mortes por Aids – 350 mil pessoas por ano – e de portadores de HIV. Em 2005, 37% das grávidas estavam infectadas e, atualmente, um em cada cinco adultos possui o vírus.
Mas em vez de utilizar os recursos públicos para atenuar o sofrimento do povo, o governo sul-africano caiu no conto da Fifa de que como sede da Copa do Mundo de futebol, o país atrairia muito dinheiro e investimentos estrangeiros. O governo, então, se endividou e comprometeu grande parte das verbas reservadas a prioridades sociais para construir estádios e infraestrutura para o Mundial.  
No total, o governo planejava gastar com a Copa R$ 2,15 bilhões, mas o montante já ultrapassou R$ 8 bilhões. Uma pergunta: se esse dinheiro fosse investido na compra de remédios para tratar os milhões de portadores de HIV que existem no país, quantas vidas seriam preservadas?


Os lucros da Fifa
Mas o que importa para a Fifa é quanto a entidade vai ganhar com a Copa do Mundo: R$ 4, 27 bilhões de patrocinadores e direitos de transmissão. “É muito dinheiro, mas é bom esclarecer que não vamos sentar em cima do lucro. Ele irá voltar para o futebol”, afirmou o secretário geral da Fifa, Jérome Valcke. Aliás, dinheiro é o que não falta na Fifa. Em 2009, a entidade maior do futebol lucrou US$ 196 milhões, o que fez aumentar seu caixa para mais de U$$ 1 bilhão.

África do Sul - Greve de trabalhadores pré-copa

Para proteger seus patrocinadores – Coca-Cola, Adidas, Castrol, Visa e Sony –, isto é, seus  patrões, a Fifa exigiu que o governo sul-africano reprimisse duramente qualquer tentativa de comercializar produtos que não tivessem sua autorização oficial.
Resultado: milhares de trabalhadores ambulantes estão proibidos de trabalhar durante a Copa em seu próprio país. Foi o que ocorreu com a trabalhadora Sofhia Tlhagane que há cinco anos tinha uma barraca de lanches e refeições nas proximidades do estádio Soccer City. Após receber a visita de fiscais da prefeitura dizendo que ela teria que se retirar dali, Sofhia desabafou: “Disseram que é por causa da Fifa. Esta copa não é para os africanos é para os europeus”. 
De acordo do com decreto do governo, quem desrespeitar a proibição da Fifa e for pego pela polícia vendendo algum objeto que não for oficial receberá multa de R$ 2.550 e pena de seis meses de prisão. 
Em nota oficial, a Fifa explicou assim o porquê de reprimir os sul-africanos que quiserem ganhar alguns trocados com a Copa do Mundo: “A proteção dos direitos exclusivos é fundamental para os patrocinadores financiarem  a Copa do Mundo de 2010”.
Acontece que quem financiou a Copa foram os sul-africanos que gastaram mais de R$ 8 bilhões; a Fifa e seus patrocinadores entraram com apenas R$ 800 milhões, 10% do total gasto pelo governo. 
Copa agrava desigualdade na África do Sul
Na realidade, a Copa do Mundo só fez aumentar as desigualdades sociais na África do Sul, país que ocupa o 129º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU.
Johannesburgo, uma das cidades da Copa, onde inclusive está abrigada a seleção do Brasil, é prova disso.
Os investimentos do governo se concentraram nos bairros onde vive a população rica. Nesses locais, foi construído metrô novo, colocadas novas linhas de ônibus, praças e melhorada a rede de água e energia.
Na parte pobre da cidade, pouco ou quase nada foi feito. Nas 49 favelas existentes em Soweto, milhões de pessoas continuam morando em minúsculos barracos de zinco, sem água,  esgoto e energia elétrica. A maioria dos trabalhadores estão desempregados e os que têm Aids continuam sem assistência médica. Onde vive a imensa maioria da população, os pobres, nenhuma nova linha de ônibus foi implantada e tampouco metrô. Os recursos públicos foram prioritariamente usados na construção dos estádios, em hotéis de luxo e shoppings para agradar os estrangeiros durante a Copa.
África do Sul - favela

Jogador vira mercadoria
Mas além da Fifa, de seus patrocinadores e das grandes companhias de cervejas do mundo, entre elas a Ambev, dona da Brahma, da Antárctica e da Skol, que apostam no aumento do consumo de álcool durante os jogos, também os bancos,os grandes fundos de investimentos e algumas famílias que se tornaram donas de clubes, vão ganhar rios de dinheiro com a venda de jogadores após a Copa do Mundo.
A equipe portuguesa Benfica, por exemplo, recentemente vendeu cinco jogadores ao Fundo de Investimento Benfica Stars Fund por 10,25 milhões de euros.
No ano passado, o Real Madrid comprou o jogador brasileiro Kaká, titular da seleção brasileira, por 68 milhões de euros e o jogador português Cristiano Ronaldo por 94 milhões de euros.
O domínio de grupos capitalistas sobre os times de futebol é tão grande que torcidas rivais estão se unindo para combater a privatização dos clubes de futebol. Foi o que ocorreu no dia 21 de março deste ano na Inglaterra, com as torcidas do Manchester United e do Liverpool, dois dos maiores clubes ingleses, se unindo em um  protesto contra os donos de seus times. O Manchester United é de propriedade da empresa norte-americana de Malcom Glazer e o Liverpool dos também empresários norte-americanos George Gillett e Tom Hicks. A torcida do Manchester United levou para o estádio faixas com os dizeres: “Amamos United, odiamos Glazer”;  “Manchester United – Pelo amor, Não pelo dinheiro” e decidiu boicotar os jogos do time se o clube continuar nas mãos do milionário Glazer. A torcida do Liverpool, levou as faixas “Fora Gillet e Hicks”.
O jornalista e geógrafo Paulo Favero em seu trabalho Os donos do campo e os donos da bola: alguns aspectos da globalização do futebol, escreve que o futebol é cada vez mais um negócio, em detrimento ao público que o assiste, o torcedor, e que os jogadores são hoje apenas “mercadorias”.
Segundo Favero, “Entidades internacionais reguladoras do esporte, como a Fifa e a Conmebol, organizam o futebol sempre visando ao lucro. O jogador acaba sendo uma mercadoria que pode ser negociada em qualquer lugar do mundo, independentemente das leis trabalhistas de qualquer país. Nenhum outro profissional tem esse acesso tão facilitado”. E completa: “Muitos jogadores, ainda crianças, estão se transferindo para clubes europeus, principalmente do continente africano. E o que preocupa as entidades é o fato de estes garotos perderem a infância e terem prejuízos psicológicos, entre outros problemas. Há casos também de brasileiros que embarcam para outros destinos ainda precoces”.
Segundo o jornalista, a cada ano, em média, mil jogadores profissionais são transferidos do Brasil para o exterior. “Em 2007, foram 1.085; em 2008, 1.176, e em 2009, 1.017”, revela. “No Brasil, a exportação de jogadores atualmente envolve um montante de dinheiro maior do que a exportação de cacau ou banana.” (Agência USP, 17/05/2010)
Luta e consciência



África do Sul - greve dos trabalhadores
Diante de tantos negócios e lucros, os trabalhadores sul-africanos perceberam cedo que para conseguir obter melhorias em suas vidas tinham que se organizar e ir à luta.
No ano passado, os operários da construção realizaram várias greves e pararam por diversas vezes a construção dos estádios para a Copapara exigir aumento de seus salários. 
Em abril desse ano, 150 mil servidores  públicos  só voltaram ao trabalho  após receberem 15% de aumento. A greve parou a coleta de lixo, hospitais públicos e linhas de ônibus em todo o país.
O Sindicato dos Trabalhadores Municipais da África do Sul (Sanmwu, na sigla em inglês) que tem cerca de 130 mil filiados, organizou várias manifestações de rua que paralisaram as principais cidades do país. No sul do país, em East London, um trabalhador morreu e dez foram presos. Nos protestos, os trabalhadores exibiram vários cartazes com referências à Copa do Mundo, como: “Sem dinheiro, sem Copa do Mundo” e  “Enquanto nós recebemos amendoins para trabalhar, eles querem organizar uma Copa do Mundo”.
No dia 26 de junho, a 16 dias da abertura da Copa do Mundo, 16 mil trabalhadores da companhia de energia elétrica da África do Sul, a Eskom, entraram em greve reivindicando um aumento salarial de 18%, o que elevaria o salário para o equivalente a R$ 1.250.  Preocupados com a continuidade da greve, o governo decidiu comprar 42 geradores para garantir a energia nos estádios.
Já os trabalhadores do sistema nacional de trens da África do Sul estão em greve há 15 dias reivindicando 13% de aumento. A empresa ofereceu 10%. No 26 de maio, quatro composições da Metrorail Gauteng foram incendiadas em Parktown, uma das principais estações de Johannesburgo.
No final do maio, foi a vez dos trabalhadores da principal empresa de telecomunicações da África do Sul, a Telkcom, empresa responsável por gerar as imagens do Mundial. Os funcionários disseram que se os aumentos salários não forem pagos a Copa do Mundo não será transmitida ou terá apagões na transmissão.  “Se pararmos de trabalhar, não tem Copa. Queremos melhores salários, nós ganhamos pouco. Só os executivos estão ganhando muito”, reclamou Glad Mokgara, representante dos empregados da Telkom que fizeram manifestação em frente ao IBC (centro internacional de transmissão), localizado ao lado do estádio Soccer City, em Joanesburgo.
Cerca de 12 mil funcionários da Telkom estão envolvidos no movimento  e irão parar de trabalhar neste mês  se não conseguirem o reajuste salarial. A empresa é uma das principais patrocinadoras da Fifa e é responsável pelas antenas que irão gerar as imagens da Copa para o mundo.
As greves e a resistência dos trabalhadores sul-africanos têm surpreendido a Fifa e seus patrocinadores que  não estão mais tão seguros do quanto irão lucrar nesse Mundial. Mas de uma coisa todos podem ter certeza; o combativo povo sul-africano, o mesmo que expulsou os ingleses, de seu país, conquistou a independência e derrubou o governo do apartheid, rompeu com a política de conciliação de classes do partido do Congresso Nacional Africano (CNA) e está novamente de pé. Dessa vez, lutando contra os causadores do apartheid social, a classe capitalista. É dessa luta, que vai nascer uma nova África do Sul.
Lula Falcão, membro do comitê central do PCR e diretor de A Verdade

Fonte: averdade.org.br

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