terça-feira, 24 de agosto de 2010

Lei que proíbe aborto aumenta casos de curetagem

Pesquisa realizada pelo Instituto do Coração (InCor), da Universidade de São Paulo (USP), a partir de dados do Datasus, traz novos dados a respeito do aborto no Brasil. A pesquisa mostra que a curetagem pós-aborto está em primeiro lugar no ranking de cirurgias realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entre 1995 e 2007, ocorreram mais de três milhões de procedimentos desse tipo. Essa pesquisa não diferencia em números os abortamentos espontâneos e induzidos, mas indica que a maior parte deles são provocados, já que um aborto espontâneo geralmente não necessita de internação.
Segundo outra pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB), a maioria das mulheres que já abortaram tem entre 20 e 29 anos, trabalha, possui algum tipo de união estável, usa métodos anticoncepcionais e, dessas, 81% são mães. Mais da metade, 55%, são internadas logo após o aborto, o que, segundo o coordenador da pesquisa, Marcelo Medeiros, “é uma taxa muito alta, e isso é gravíssimo porque significa não só que elas precisaram ir a um hospital, mas que permaneceram lá com sérias complicações de saúde”. A morte por aborto é a terceira causa de morte materna no Brasil.

O aborto no Brasil só é permitido em casos de estupro ou risco de morte da mulher. Todos os outros motivos são considerados crime pela atual legislação. Ou seja, a maior parte das mulheres que recorrem a essa prática o faz clandestinamente. Até nos casos de anencefalia – cujos fetos não possuem ou possuem apenas parte do encéfalo e morrerão poucos dias após o nascimento – o aborto é considerado crime.

Aborto e saúde pública

Como consequência, as mulheres que optam por recorrer ao aborto necessariamente recorrerão a métodos inseguros e a uma rede clandestina. Os riscos de hemorragia e até de morte não são pequenos. Nos hospitais, na maioria das vezes, os profissionais da saúde, discordando moralmente de sua conduta, lançam mão de uma série de estratégias humilhantes, punitivas e discriminatórias, ampliando o risco de morte ou de sequelas reprodutivas. O aborto é realizado por mulheres de todas as classes, mas o risco de morrer é mais presente para as mulheres pobres que acabam por recorrer a métodos caseiros ou a medicamentos sem a inspeção sanitária adequada.

Ao contrário do que apontam os setores conservadores da sociedade, a legalização do aborto não estimularia essa prática. Isso é um mito. Além disso, a legalização deve vir acompanhada de uma série de outras medidas que ampliem o acesso das mulheres a métodos contraceptivos, a uma rede de planejamento familiar, além de uma transformação da ideologia patriarcal, que vê na mulher a única responsável pela reprodução na nossa sociedade.

O aborto é uma questão de saúde pública e deve ser tratado desta maneira. Não se conhecem os números exatos de mortes causadas, já que, por ser ilegal, os números não entram nos registros dos hospitais. Sabe-se que, anualmente, centenas de mulheres morrem vítimas de complicações causadas por abortamentos inseguros. A maioria dos casos ocorre no Nordeste, local onde o acesso a métodos anticoncepcionais também é menor. A legalização do aborto não significa que sua utilização aumentará. Significa que a mulher, que é quem sofre as maiores consequências, seja quando resolve levar a gravidez adiante, seja quando necessita interrompê-la, possa decidir sobre sua vida e seu corpo. Possa fazer isso de maneira segura e saudável. Trata-se da necessidade de se ampliar a rede de proteção à saúde das mulheres, do acesso a anticoncepcionais e de planejamento familiar.

Fonte: Jornal A VERDADE

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